Investigação Educação e carreira 17 de abril, 2025
Miller et al. (2025)

Deficiência motora e desuso: Principais preditores de complicações vasculares após acidente vascular cerebral.

Alterações vasculares após o AVC

Introdução

O AVC leva a uma diminuição significativa da aptidão cardiorrespiratória, reduzindo a capacidade funcional. Após o AVC, os doentes passam 78% das suas horas de vigília em comportamentos sedentários - excedendo largamente os níveis de atividade física recomendados - o que aumenta o risco de doenças cardiovasculares e metabólicas. Para agravar esta questão, as evidências emergentes revelam alterações vasculares desadaptativas após o AVC, incluindo perfusão prejudicada no membro parético devido à remodelação vascular.

As actuais intervenções de fisioterapia em situações agudas dão prioridade à neuroplasticidade, que é essencial para a recuperação motora. No entanto, o objetivo da aptidão cardiorrespiratória é igualmente fundamental para melhorar a capacidade dos doentes para realizarem as suas actividades diárias e atenuar as complicações vasculares a longo prazo.

O objetivo deste estudo é investigar as alterações vasculares após o AVC, comparando o fluxo sanguíneo arterial e intramuscular entre os membros superiores paréticos e não paréticos. Além disso, examinaremos a relação entre esses parâmetros vasculares e avaliações clínicas de comprometimento relacionado ao AVC.

Método

O estudo incluiu 64 doentes com AVC crónico (>6 meses após o AVC) e 64 controlos correspondentes. Os participantes eram adultos residentes na comunidade (≥18 anos) com mobilidade do cotovelo (60° de flexão) e cognição (Teste Mental Abreviado ≥6) suficientes para o teste. Foram excluídos os indivíduos com outras condições neurológicas, contraturas graves que limitassem o teste ou contra-indicações graves para a participação. Os controlos cumpriram critérios idênticos sem história de AVC.

Alterações vasculares após o AVC
De: Miller et al., Physical Therapy (2025).

A avaliação de Fugl-Meyer (FMA) quantificou o comprometimento motor do membro superior (pontuação de 0 a 66, maior = pior). A espasticidade foi medida utilizando o Composite Spasticity Index (CSI; 0-16), combinando o reflexo do tendão do bicípite (0-4), a resistência ao estiramento passivo (0-8) e o clonus do punho (1-4), com pontuações de 0-9 = ligeira, 10-12 = moderada e 13-16 = espasticidade grave. O Registo de Actividades Motoras (MAL) avaliou a utilização do braço no mundo real através das subescalas Qualidade do Movimento (MAL-QOM) e Quantidade de Utilização (MAL-AOU) (pontuações mais baixas = maior incapacidade).

As avaliações vasculares foram realizadas com um sistema de ultrassom para avaliar a perfusão sanguínea intramuscular bilateral do bíceps braquial e a hemodinâmica da artéria braquial (diâmetro, volume de fluxo). A imagiologia incidiu no terço distal do bicípite (66% do comprimento do úmero entre o processo coracoide e a fossa cubital) e na artéria braquial medial. A média dos três ensaios de medição por parâmetro foi calculada.

O volume de fluxo sanguíneo (Vflow; mL/min) foi medido usando ultrassom Doppler de onda de pulso no local anatômico previamente descrito. O diâmetro arterial (DA; cm) foi determinado a partir dos bordos endoteliais dentro da mesma imagem. Para avaliar a perfusão sanguínea intramuscular, foram utilizadas imagens de ultrassom para calcular o índice de vascularização (VI), definido como a relação entre os pixels coloridos e o total de pixels dentro de uma determinada região de interesse.

Análise de dados

O tamanho da amostra foi determinado utilizando o G*Power (n=64/grupo) com base em estudos vasculares anteriores (d de Cohen=3,4 para diferenças entre grupos, r=0,35 para correlações). O SPSS v28.0 analisou os dados com os testes de normalidade Shapiro-Wilk/Levene. Os parâmetros vasculares foram comparados utilizando ANOVA de duas vias de medidas repetidas (tamanhos de efeito ηp2), com testes t post hoc (corrigidos por Bonferroni). As correlações (Pearson/Spearman) avaliaram as relações entre as medidas vasculares e as avaliações clínicas (FMA, MAL, CSI). A regressão hierárquica identificou os determinantes da assimetria vascular (%SSD), controlando os dados demográficos e a dominância dos membros (modelos separados para variáveis colineares). Os tamanhos dos efeitos foram apresentados como d de Cohen (entre grupos) e coeficientes de correlação (testes não paramétricos).

Iremos explorar os métodos analíticos em maior profundidade na secção "Fala comigo".

Resultados

O estudo incluiu 64 sobreviventes de AVC crónico (idade média de 62,4 ± 10,1 anos, 70% do sexo masculino) e controlos com a mesma idade e sexo. Os participantes tinham em média 5,7 ± 3,9 anos após o AVC, com AVC predominantemente isquémico (64%, n=41); 36% (n=23) tiveram AVC hemorrágico. Apresentavam uma deficiência motora moderada (FMA-UE: 35,9 ± 18,8), espasticidade ligeira (CSI: 8,5 ± 2,4), e uso funcional mínimo do braço (MAL-AOU: 1.3 ± 1.3). A cognição básica estava preservada (Teste Mental Abreviado ≥6). Os controlos apresentaram significativamente menos comorbilidades e medicamentos (P≤.05). Dominância dos membros (28 afectados pelo lado dominante vs. 36 não dominante) não influenciou a gravidade da incapacidade. Ver quadro 1 para os dados demográficos completos.

Alterações vasculares após o AVC
De : Miller et al., Physical Therapy (2025).

Medidas de ultrassom vascular:

A análise revelou diferenças significativas nas medidas vasculares entre os sobreviventes de AVC e os controlos. Em particular, os membros paréticos dos participantes no AVC mostraram um diâmetro arterial (DA) e um índice de vascularização (VI) reduzidos em comparação com os seus lados não paréticos, enquanto os controlos exibiram variações esperadas no fluxo sanguíneo relacionadas com a dominância (mão). Os sobreviventes de AVC demonstraram maior assimetria na AD e VI entre membros do que os controlos. Ao examinar os subgrupos de dominância dos membros, ambos os grupos (dominantes afectados e não dominantes afectados) mostraram uma AD reduzida nos membros paréticos, enquanto outras diferenças variaram por subgrupo - particularmente na assimetria do fluxo sanguíneo, que foi mais pronunciada quando o lado dominante foi afetado. Estes resultados evidenciam alterações vasculares distintas nos membros paréticos que persistem independentemente da dominância.

O estudo revelou que os sobreviventes de AVC apresentavam uma assimetria significativa entre os membros, com os lados paréticos a demonstrarem uma força mais fraca, limiares sensoriais mais elevados e uma composição corporal alterada (redução da massa magra, aumento da gordura) em comparação com os membros não paréticos. Estas diferenças excedem as variações normais relacionadas com a dominância observadas nos controlos. De notar que os acidentes vasculares cerebrais que afectaram o membro não dominante resultaram em alterações mais pronunciadas da composição corporal do que os acidentes vasculares cerebrais do lado dominante. Os resultados revelam que as alterações nos membros após o AVC vão para além da deficiência motora e incluem alterações sensoriais e estruturais substanciais que diferem das variações naturais entre os membros.

O estudo encontrou associações consistentes, mas modestas, entre assimetrias vasculares (%SSD) e medidas clínicas em sobreviventes de AVC. Os parâmetros vasculares (Vflow, AD, VI) mostraram correlações fracas com a incapacidade motora (FMA) e a utilização funcional do braço (MAL), sugerindo que, embora as alterações vasculares estejam relacionadas com os défices clínicos, é provável que outros factores contribuam para essas incapacidades. Da mesma forma, as correlações entre as assimetrias vasculares e as medidas de composição dos tecidos variaram de fracas a moderadas, indicando alguma ligação entre as alterações do fluxo sanguíneo e as alterações estruturais dos membros. Estes resultados sugerem coletivamente que as alterações vasculares pós-AVC representam um contributo importante, mas não exclusivo, para o comprometimento global dos membros, justificando a sua consideração juntamente com outras medidas fisiológicas e funcionais na avaliação clínica e no planeamento da reabilitação.

As análises de regressão revelaram os principais preditores da assimetria vascular (%SSD) após o controlo de factores demográficos e clínicos. A redução do uso do braço parético (MAL- AOU) previu a assimetria do fluxo sanguíneo, mas não foi significativa depois de considerar a dominância do membro. O comprometimento motor (FMA) previu de forma independente a assimetria do diâmetro arterial, explicando 8% da variância. Para o índice de vascularização, tanto o comprometimento motor como as alterações sensoriais (limiar de pressão da dor) foram preditores significativos, representando em conjunto quase 20% da variação. Estas relações persistiram mesmo após o ajuste para a dominância do membro, destacando o impacto combinado dos défices motores e sensoriais nas alterações vasculares pós-AVC.

 

Alterações vasculares após o AVC
De: Miller et al., Physical Therapy (2025).
Alterações vasculares após o AVC
De: Miller et al., Physical Therapy (2025).
Alterações vasculares após o AVC
De: Miller et al., Physical Therapy (2025).
Alterações vasculares após o AVC
De: Miller et al., Physical Therapy (2025).

Perguntas e reflexões

Este estudo identifica alterações vasculares significativas após o AVC e a sua associação com a incapacidade motora no AVC crónico, embora a força de correlação modesta (ρ=0,25-0,35) sugira que os factores vasculares explicam apenas parcialmente os défices funcionais. Surge uma questão crítica por resolver: Estas alterações vasculares após o AVC são causadas principalmente por danos estruturais induzidos, por desuso crónico do membro, ou por ambos os mecanismos?

Embora a investigação anterior confirme a disfunção vascular relacionada com o AVC (por exemplo, redução da elasticidade arterial [1]), o desenho observacional deste estudo não consegue distinguir entre:

  1. Mecanismos estruturais: Disfunção endotelial ou remodelação neurovascular pós-AVC, versus
  2. Mecanismos de desuso: Atrofia vascular mediada por fluxo devido à redução da atividade do membro parético.

É de notar que as diferenças de base na cognição, comorbilidades e uso de medicação entre grupos (Tabela 1) podem confundir estas associações, limitando as interpretações causais.

As direcções futuras devem utilizar modelos de intervenção para estabelecer a causalidade. Ensaios de movimentos induzidos por restrições com avaliações vasculares pré/pós poderiam esclarecer se o uso forçado do membro parético reverte os défices de perfusão - apoiando um mecanismo de desuso - ou se as deficiências persistem, implicando danos estruturais irreversíveis. Esses estudos poderão informar se as terapias vasculares específicas (por exemplo, aumento do fluxo sanguíneo) devem complementar a reabilitação motora tradicional.

Fala-me de nerds

Os investigadores começaram por testar os principais pressupostos estatísticos para orientar as suas escolhas analíticas. Utilizando o teste de Shapiro-Wilk, avaliaram se as variáveis contínuas seguiam uma distribuição normal, o que determinou se seriam apropriados testes paramétricos (assumindo normalidade) ou alternativas não paramétricas. Simultaneamente, o teste de Levene avaliou a homogeneidade da variância entre os grupos, assegurando uma variabilidade comparável entre os doentes com AVC e os controlos. Estas verificações preliminares foram fundamentais para validar as análises subsequentes.

Ao examinar as relações entre variáveis, a equipa distinguiu entre diferentes tipos de associações. Uma relação monotónica - uma tendência consistentemente crescente ou decrescente entre duas variáveis que não é necessariamente linear - foi avaliada utilizando o ρ de Spearman. Isto tornou-se particularmente importante quando os dados violavam os pressupostos de normalidade ou quando se analisavam medidas ordinais. Para dados normalmente distribuídos que mostram padrões lineares, o r de Pearson quantificou a força e a direção de relações lineares diretas.

A análise central utilizou ANOVA de desenho misto para avaliar diferenças complexas entre grupos. Esta abordagem avaliou simultaneamente os efeitos dentro do sujeito (comparando membros paréticos e não paréticos em doentes com AVC), efeitos entre grupos (participantes com AVC e participantes de controlo) e efeitos de interação (se as diferenças nos membros variavam consoante o estado do grupo). A ANOVA foi complementada por cálculos do tamanho do efeito (η2) para quantificar a magnitude das diferenças observadas.

Os resultados significativos foram investigados através de testes post-hoc:

  • Os testes t emparelhados identificaram diferenças específicas entre os membros do grupo
  • Os testes t independentes compararam o grau de assimetria (%SSD) entre os grupos de AVC e de controlo
  • Todos os testes post-hoc utilizaram a correção de Bonferroni (α ajustado = 0,017) para limitar a probabilidade de falsos positivos (taxa de erro familiar) a ≤0,05 em todas as comparações.

Análises adicionais incluíram:

  1. Regressão hierárquica para identificar os factores de previsão da assimetria vascular, controlando as covariáveis
  2. Análises de subgrupos com base na dominância dos membros
  3. O teste de fiabilidade (ICC) avaliou a consistência dos ultra-sons repetidos

    medições de parâmetros vasculares (Vflow, AD, VI)

A abordagem abrangente assegurou uma análise sólida da magnitude e da relevância clínica dos efeitos observados, mantendo simultaneamente um controlo adequado da inflação do erro de tipo I.

Mensagens para levar para casa

Os sobreviventes de AVC crónico apresentam alterações vasculares mensuráveis após o AVC (redução do fluxo sanguíneo, do diâmetro arterial e da perfusão tecidular) nos membros paréticos, que se correlacionam - embora modestamente - com a função motora. Embora estas alterações contribuam provavelmente para a incapacidade, a sua causa exacta (lesão vascular induzida pelo AVC ou atrofia por desuso) continua por esclarecer. Do ponto de vista clínico, este facto é importante:

  1. O valor da monitorização da saúde vascular a par da recuperação motora, e
  2. O potencial para abordagens de reabilitação combinadas que visem tanto a mobilidade como a perfusão (por exemplo, terapias baseadas na atividade para combater o desuso). A investigação futura deve esclarecer se as intervenções vasculares podem aumentar os ganhos funcionais.

Avalia:

O rastreio vascular (por exemplo, ultrassom) pode ajudar a identificar pacientes em risco de má recuperação devido a défices de perfusão. Uma abordagem multidisciplinar (por exemplo, integrando avaliações vasculares e motoras) poderia clarificar as relações entre as alterações vasculares e a incapacidade funcional.

Implicações para a reabilitação:

O uso intensivo do membro (por exemplo, terapia de movimento induzido por restrição/CIMT) pode contrariar as alterações vasculares pós-AVC relacionadas com a incapacidade. A realidade virtual pode servir como uma ferramenta clínica valiosa para lidar com estas adaptações.

Intervenções combinadas que visem tanto a perfusão (por exemplo, exercício aeróbico) como a função motora poderiam melhorar sinergicamente as adaptações metabólicas e musculares no membro parético.

Tem cuidado: As correlações modestas sugerem que os factores vasculares fazem parte de um puzzle multifatorial da deficiência.

Referência

Tiev Miller, Huixi Ouyang, Charlotte S L Tsang, Martín Calderón-Juárez, Michael T C Ying, Marco Y C Pang, Motor Impairment and Disuse Are Independent Predictors of Vascular Outcomes Poststroke, Physical Therapy, Volume 105, Issue 3, March 2025, pzaf002, https://doi.org/10.1093/ptj/pzaf002

 

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