Pesquisa Lombar/SIJ março 27, 2025
De Lira et al. (2025)

Terapia Cognitivo-Funcional: Alívio eficaz da dor e da incapacidade na dor lombar crónica

CFT para lombalgia inespecífica

Introdução

A dor lombar crónica (DLC) é um importante desafio de saúde a nível mundial. Para a maioria, a dor é classificada como não específica (sem fonte identificável) e crónica quando dura mais de 12 semanas. Apesar da sua prevalência, a gestão da DLC é muitas vezes insuficiente, com uma utilização excessiva de imagiologia, opiáceos e cirurgia, e uma subutilização de tratamentos de primeira linha baseados na evidência, como o modelo biopsicossocial. Esta abordagem aborda a complexa interação dos factores físicos, psicológicos e sociais que determinam a dor e a incapacidade, mas muitas intervenções ainda se centram apenas na dimensão física.

A Terapia Cognitivo-Funcional (TFC) é uma abordagem conduzida pela fisioterapia que integra a psicologia comportamental e a neurociência para lidar com a natureza multidimensional da DLC. Estudos anteriores sugerem que o TFC para lombalgias inespecíficas é melhor do que os cuidados habituais na redução da incapacidade e tem uma boa relação custo-eficácia. No entanto, as provas continuam a ser limitadas. Este estudo é o primeiro ensaio aleatório controlado por simulação a avaliar a eficácia do CFT na intensidade da dor e na incapacidade na DLC, oferecendo uma comparação inovadora com o placebo e abordando uma lacuna crítica na literatura.

Método

Para serem elegíveis para o estudo, os participantes devem ter entre 18 e 60 anos e ser diagnosticados com dor lombar crónica não específica (DLC) com duração mínima de 3 meses, com dor localizada entre T12 e as pregas glúteas. Devem também referir uma intensidade de dor de 3 ou superior numa escala numérica de avaliação da dor (NPRS) e uma pontuação superior a 14% no Índice de Incapacidade de Oswestry. Os critérios de exclusão incluem a presença de sinais de alerta (por exemplo, tumores, infecções, fracturas), doenças neurológicas, psiquiátricas, reumatológicas ou cardíacas graves, patologias específicas da coluna ou antecedentes de cirurgia à coluna. Também estão excluídos os indivíduos grávidos e aqueles que tenham sido submetidos a fisioterapia para dores lombares nos últimos 6 meses. Os participantes foram instruídos a evitar medicamentos para o alívio da dor durante os períodos de intervenção e de acompanhamento, sendo qualquer utilização de medicamentos registada num livro de registo da dor.

Os participantes foram informados da existência de um braço de intervenção simulada e de um braço de tratamento ativo. Após as avaliações iniciais, os participantes foram distribuídos aleatoriamente no grupo CFT ou no grupo sham. Cada participante foi tratado por um único fisioterapeuta, que não esteve envolvido nas avaliações. Os participantes permaneceram cegos quanto à atribuição do seu grupo e um investigador cego realizou avaliações na linha de base, pós-tratamento e acompanhamento.

Resultados primários

Intensidade da dor : A Escala Numérica de Avaliação da Dor (NPRS) foi utilizada para avaliar a intensidade da dor. Esta escala varia de 0 a 10, em que 0 representa "nenhuma dor" e 10 representa "a pior dor imaginável". A NPRS reage a mudanças, com uma diferença mínima clinicamente importante (MCID) de 2 para pacientes com dor lombar crónica (CLBP).

Incapacidade relacionada com a dor lombar: O Índice de Incapacidade de Oswestry (ODI) é um questionário utilizado para medir o quanto a dor lombar afecta a vida diária de uma pessoa. Inclui 10 itens que abrangem actividades como andar, sentar e levantar, cada um pontuado de 0 a 5. A pontuação total é convertida numa percentagem (0-100%), sendo que as pontuações mais elevadas indicam uma maior incapacidade. Para a dor lombar crónica (DLC), o ODI tem uma diferença mínima clinicamente importante (MCID) de 10-12 pontos.

Resultados secundários

Questionário de auto-eficácia em relação à dor: O Questionário de Auto-Eficácia em relação à Dor (PSEQ) inclui 10 itens que avaliam a confiança de um indivíduo na realização de tarefas apesar da dor, classificados numa escala de 7 pontos (0: "nada confiante" a 6: "completamente confiante").

Efeito Global Percebido (GPE): Uma escala de 11 pontos (-5: "muito pior" a +5: "completamente recuperado") que pede aos participantes que classifiquem a sua dor nas costas em comparação com o início da dor.

Escala Funcional Específica do Paciente (PSFS): Os doentes identificam até três actividades com as quais têm dificuldades devido à sua doença e classificam a sua capacidade de realizar cada uma numa escala de 0 (incapaz) a 10 (nível anterior à lesão).

Escala de Expectativa de Tratamento de Stanford (SETS): Uma escala de 6 itens que mede as expectativas positivas e negativas em relação ao tratamento, classificada numa escala de Likert de 7 pontos.

Questionário de Saúde do Paciente-9 (PHQ-9): Um questionário de 9 itens para despiste da depressão, com uma pontuação de corte de 10 a indicar uma possível depressão grave.

Perturbação de Ansiedade Generalizada-7 (GAD-7): Uma escala de 7 itens que avalia a gravidade da ansiedade nas duas últimas semanas, pontuada de 0 a 21. 

Escala de Tampa para cinesiofobia (TSK): Uma escala de 17 itens que mede as crenças de evitação do medo, pontuada de 17 a 68. Pontuações mais elevadas indicam um maior medo do movimento.

Escala de Catastrofização da Dor (PCS): Uma escala de 13 itens que avalia pensamentos catastróficos sobre a dor, pontuada de 0 a 52. Pontuações mais elevadas indicam uma maior catastrofização da dor.

Análise estatística

O estudo incluiu 152 pacientes (76 por grupo), concebido para detetar uma alteração de 1 ponto na dor (NPRS) e uma alteração de 5 pontos na incapacidade (ODI) com um poder de 80%, tendo em conta uma taxa de desistência de 15%. Utilizaram a análise por intenção de tratar, o que significa que todos os participantes foram incluídos, mesmo que não tenham terminado o estudo. Os dados em falta foram tratados com imputação múltipla, e os testes confirmaram que os dados em falta não afectaram os resultados.

A dor, a incapacidade e outros resultados foram analisados através de modelos lineares mistos, que tiveram em conta o tempo (pós-tratamento, 3 meses, 6 meses) e os grupos de tratamento. Quando os dados não cumpriam os pressupostos de normalidade, utilizavam o bootstrapping (um método de reamostragem) para garantir a exatidão. Os tamanhos dos efeitos foram calculados utilizando o d de Cohen e os dados categóricos foram analisados com o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher.

Intervenção

O CFT para a dor lombar inespecífica foi aplicado utilizando uma abordagem flexível e centrada no doente, combinando entrevistas e exames físicos para identificar factores como movimentos, posturas, crenças relacionadas com a dor, emoções e estilo de vida que contribuem para a dor e a incapacidade. O terapeuta construiu uma forte aliança terapêutica, ouvindo ativamente as histórias dos doentes relacionadas com a dor, validando as suas preocupações e explorando os seus objectivos. Os planos de tratamento foram adaptados às necessidades individuais e incluíam três componentes principais:

Dá sentido à dor. A CFT para dor lombar inespecífica envolve um processo reflexivo que combina a narrativa pessoal do paciente (a partir de entrevistas) e experiências para criar uma compreensão personalizada e multidimensional da dor. Esta abordagem ajuda a identificar e a desafiar crenças desadaptativas que contribuem para um ciclo vicioso de dor persistente e incapacidade, encorajando perspectivas e comportamentos mais saudáveis.

exposição com controlo. A componente de exposição com controlo centra-se em actividades que os doentes referem como dolorosas, temidas ou evitadas, tais como inclinar-se para a frente para apanhar um objeto ou manter uma posição sentada. Os doentes são orientados para enfrentar gradualmente estas actividades de forma controlada, ajudando-os a recuperar a confiança e a reduzir os comportamentos de evitamento.

muda o teu estilo de vida. A componente de aconselhamento sobre o estilo de vida inclui orientações sobre o aumento gradual da atividade física com base nas preferências do doente, a melhoria da higiene do sono, a gestão do stress e o incentivo à reinserção social. Esta abordagem holística visa promover mudanças comportamentais a longo prazo e o bem-estar geral.

Intervenção fictícia

Os pacientes do grupo sham receberam duas intervenções: fotobiomodulação sham e conversa neutra. A fotobiomodulação simulada utilizará um dispositivo dessintonizado que não emite nenhuma dose terapêutica (0J). O dispositivo parecerá funcional, com definições ajustadas e alarmes para aumentar a credibilidade. Cada sessão inclui 27 minutos de estimulação falsa.

Para além disso, os doentes foram envolvidos em terapia de conversação neutra durante pelo menos 15 minutos por sessão. Os terapeutas mostraram empatia e cordialidade, encorajando discussões sobre temas neutros como passatempos, desporto ou assuntos actuais. As crenças desadaptativas não foram desafiadas e quaisquer tentativas de discutir questões emocionais foram redireccionadas para assuntos neutros. Por exemplo, se um paciente disser: "Acho que nunca mais vou jogar futebol por causa da minha dor nas costas", o terapeuta pode responder: "Gostas de futebol? Viste o jogo na televisão na semana passada?"

Após o acompanhamento de 6 meses, todos os participantes tiveram a oportunidade de receber a intervenção CFT para lombalgia inespecífica.

Resultados

Foram observadas elevadas taxas de conclusão em ambos os grupos: 97-98% no pós-tratamento e no seguimento de 3 meses, e 96-97% no seguimento de 6 meses. As caraterísticas de base eram semelhantes entre os grupos, sem diferenças significativas (ver Tabela 1). Ambos os grupos frequentaram um número médio de sessões semelhante.

CFT para lombalgia inespecífica
De: De Lira et al., British Journal of Sports Medicine (2025).

Resultados primários

O grupo CFT para lombalgia inespecífica apresentou melhorias significativamente maiores na intensidade da dor (diferença média = -1,8) e na incapacidade (diferença média = -9,9) em comparação com o grupo sham. Foram encontradas interações significativas entre o tratamento, o tempo e os valores de referência para ambos os resultados (p < 0,001).

CFT para lombalgia inespecífica
De: De Lira et al., British Journal of Sports Medicine (2025).
CFT para lombalgia inespecífica
De: De Lira et al., British Journal of Sports Medicine (2025).

Resultados secundários

Os benefícios do CFT mantiveram-se no seguimento, com melhorias significativas na funcionalidade, na auto-eficácia em relação à dor e no efeito global percebido, em comparação com o grupo simulado (p < 0,001). Na terceira semana, o uso de analgésicos diminuiu significativamente no grupo CFT para lombalgia inespecífica. Não foram registados eventos adversos graves.

CFT para lombalgia inespecífica
De: De Lira et al., British Journal of Sports Medicine (2025).
CFT para lombalgia inespecífica
De: De Lira et al., British Journal of Sports Medicine (2025).

Perguntas e reflexões

Embora os questionários validados sejam úteis para avaliar os factores ambientais, podem não captar totalmente a complexidade dos factores de dor e incapacidade. As avaliações subjectivas e as discussões abertas com os doentes podem fornecer informações mais aprofundadas sobre as suas experiências de dor, ajudando os médicos a adaptar as intervenções de forma mais eficaz.

O estudo não apresentou desvios-padrão (DPs), o que dificulta a avaliação da variabilidade na evolução dos sintomas dos doentes. A figura 2 parece mostrar barras de erro (possivelmente DP), em que linhas mais próximas sugerem resultados mais homogéneos. No entanto, sem uma documentação clara, é difícil tirar conclusões definitivas. É possível que os doentes com factores de dor pessoais e ambientais mais complexos possam necessitar de intervenções multidisciplinares para obterem melhores resultados.

O estudo encontrou melhorias estatisticamente significativas, mas temos de considerar se estas atingem a diferença mínima clinicamente importante (MCID). A utilização de limiares MCID inadequadamente baixos pode sobrestimar os benefícios do tratamento, introduzindo um potencial viés de medição. Quando os resultados mostram efeitos significativos abaixo dos valores MCID convencionais, isto levanta questões importantes - estamos a assistir a alterações clínicas verdadeiramente significativas, ou isto sugere limitações na intervenção ou nas nossas abordagens de medição?

Fala-me de nerds

O estudo incluiu 152 pacientes (76 em cada grupo), o que foi calculado para fornecer 80% de poder para detetar diferenças significativas - especificamente, uma mudança de 1 ponto na dor (medida pela NPRS) e uma mudança de 5 pontos na incapacidade (medida pelo ODI). Este cálculo teve em conta uma taxa de desistência de 15% para garantir que os resultados continuariam a ser fiáveis mesmo que alguns participantes abandonassem o estudo. Os investigadores escolheram diferenças ligeiramente mais pequenas do que o habitual (mais pequenas do que a diferença clínica minimamente importante, MICD) para aumentar a precisão estatística, reduzir o risco de erros do tipo II (que ocorrem quando um estudo não consegue detetar um efeito real que existe efetivamente) e garantir que os grupos estavam bem equilibrados.

Os dados foram analisados segundo o princípio da intenção de tratar, o que significa que todos os participantes foram incluídos na análise, mesmo que não tenham concluído o estudo. Os dados em falta foram mínimos (apenas 55 em 2888 observações, ou seja, menos de 2%) e assumidos como estando completamente em falta ao acaso (MCAR). Este pressuposto foi confirmado utilizando o teste MCAR de Little, que não revelou qualquer padrão significativo nos dados em falta. Por outras palavras, os dados em falta eram aleatórios e não estavam associados a grupos, momentos ou resultados específicos. Para lidar com estes valores em falta, os investigadores utilizaram a imputação múltipla, uma técnica que criou 50 conjuntos de dados simulados para estimar os valores em falta, preservando as relações entre variáveis-chave como o grupo de tratamento, o tempo e as medidas de resultados. Além disso, foram utilizadas estatísticas descritivas para resumir as caraterísticas dos participantes em ambos os grupos, fornecendo uma imagem clara da população do estudo.

O estudo utilizou um método estatístico chamado modelos lineares mistos para analisar resultados como a dor, a incapacidade e a funcionalidade ao longo do tempo. Este método analisa a forma como os resultados mudam após o tratamento, aos 3 meses e aos 6 meses, comparando também os dois grupos de tratamento (CFT vs. sham). Tem em conta as diferenças individuais, tratando os participantes como um fator aleatório e inclui valores de referência para controlar as diferenças iniciais. Antes de utilizarem este método, os investigadores verificaram se os dados cumpriam determinados pressupostos, como por exemplo, se os erros estavam normalmente distribuídos e se as relações entre as variáveis faziam sentido. Quando os dados não correspondiam a estes pressupostos (exceto no caso da dor), utilizaram uma técnica chamada bootstrapping. O bootstrapping cria 1.000 conjuntos de dados simulados através da reamostragem aleatória dos dados originais, o que torna os resultados mais fiáveis, mesmo que os dados sejam confusos. Também utilizaram a correção de Bonferroni, um método que torna o limiar de significância mais rigoroso (por exemplo, p < 0,05 passa a p < 0,01) quando se comparam vários resultados. Isto reduz a possibilidade de falsos positivos e garante que os resultados são reais e não apenas devidos ao acaso.

Para medir a força dos efeitos do tratamento, os investigadores calcularam os tamanhos dos efeitos utilizando o d de Cohen. Isto diz-nos qual foi a diferença entre os grupos em termos de dor, incapacidade e outros resultados. O d de Cohen utiliza uma fórmula para comparar as diferenças médias entre grupos relativamente à sua variabilidade, dando um resultado padronizado que é fácil de interpretar. Para analisar dados categóricos (como resultados sim/não), utilizaram o teste do qui-quadrado e o teste exato de Fisher. O teste do qui-quadrado verifica se existe uma relação entre duas variáveis categóricas, enquanto o teste exato de Fisher é utilizado quando o tamanho das amostras é pequeno ou quando as frequências esperadas nos dados são baixas (menos de 5). Estes testes ajudam a determinar se as diferenças entre grupos são estatisticamente significativas.

Leva a mensagem para casa

O CFT para lombalgias inespecíficas tem-se mostrado promissor na redução da dor e na recuperação da função em doentes com lombalgias crónicas.

Avaliação exaustiva:

Implementar intervenções de forma eficaz:

  • Dá sentido à dor: Explora a experiência de dor, as percepções e as crenças disfuncionais do doente para construir uma compreensão partilhada.
  • Educação dos doentes: Educa os doentes sobre o modelo biopsicossocial da dor para os ajudar a compreender a natureza multifacetada da sua doença.
  • Trata a cinesiofobia: Utiliza a exposição a movimentos temidos para ajudar os doentes a ultrapassar o medo do movimento e a recuperar a confiança.
  • Atividade física progressiva: Incentiva um aumento gradual dos níveis de atividade para todos os doentes, adaptado ao seu nível de dor.

Considera a variabilidade das respostas dos doentes:

  • Tem em atenção que os doentes podem responder de forma diferente às intervenções.
  • Abordagem multidisciplinar: Colabora com psicólogos, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde para abordar todos os aspectos da dor crónica.

Referência

de Lira MR, Meziat-Filho N, Zuelli Martins Silva G, et alEficácia da terapia cognitiva funcional na intensidade da dor e incapacidade em pacientes com dor lombar crónica inespecífica: um ensaio aleatório controlado por simulaçãoBritish Journal of Sports Medicine Published Online First: 06 de março de 2025. doi: 10.1136/bjsports-2024-109012

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